17 de dezembro de 2014

Bailongo!


Volta e meia, Mauro Di Deus me estende a mão e me alcança, sempre, um bom programa cultural. Desta última, me fez chegar ao show "Bailongo", de Yamandu Costa e Guto Wirtti. O Yamandu eu já conhecia de outras plagas. Guto foi uma grata surpresa. Ver os dois, juntos, foi uma viagem agradabilíssima.

Yamandu Costa e Guto Wirtti
Os dois contam histórias curtas, enquanto nos encantam com uma música popular vestida em roupa de gala. Sim. O que eles tocam é mais do que clássico, transcende ao convencional. É algo que beira o inexplicável, o intraduzível.

É um passeio musical que percorre o quintal do Brasil e a varanda do mundo. Vai do chamamé ao tango. Da Vaneira a Villa Lobos. Num roteiro que é provinciano e universal, ao mesmo tempo. É preciso escutá-los de perto para compreender. Yamandu e Guto são amigos de infância que nunca se perderam. Talvez, por isso mesmo, o show deles é como uma viagem no tempo. Um resgate, com tudo o que isso possa significar. 

É como encontrar um velho amigo, um amor antigo, uma alma em sintonia, e perceber que o tempo e a distância não foram capazes de apagar da lembrança o que houve de melhor e o que ficou preservado para sempre.


Guto e Yamandu caminham juntos há tempos. E tocam como quem estivesse em uma brincadeira de criança. Com tamanha intimidade com seus instrumentos, com cumplicidade imensa no olhar, com afinação e improviso que - aos olhos de quem os vê tocando - tudo parece muito mais simples e fácil do que verdadeiramente o é.

Guto conta a história de como encontrou o seu "Baixolão", um instrumento menor, muito menor, que um Ciello, mas com uma sonoridade tão grave quanto a batida firme no peito, de um coração apaixonado. Yamandu visita Lupicínio Rodrigues, seu conterrâneo, e dá a Nervos de Aço uma interpretação doce e viril ao mesmo tempo, uma interpretação única, que por pouco não nos tira da cadeira e nos faz sair dançando em meio à plateia.

Talvez eu não consiga traduzir aqui o significado da música que eles fazem. Melhor mesmo é assisti-los. E comprovar a genialidade desses dois jovens músicos brasileiros. Eles, sim, representam o que o Brasil tem de melhor em sua essência.

3 de dezembro de 2014

«Lisboa nas narrativas: olhares do exterior sobre a cidade antiga e contemporânea»



Em pesquisa de textos e crónicas sobre Lisboa, encontro um interessante estudo da Universidade Nova de Lisboa, ilustrado com fragmentos de relatos de viagem,  crónicas e ficção, compreendidos entre época próxima ao terramoto de 1755 , passando pelas impressões de refugiados da II Guerra Mundial e avançando pelo século XX. O título de tal estudo coincide com o do presente post. Das crónicas, realço a prosa de Cecília Meireles, a prender-nos no encantamento da sua destreza poética. Dessas impressões de viagem, datadas da primeira metade do passado século, deixo um  fragmento:

«[…] pode-se caminhar pela velha Lisboa, que é ainda a que eu mais amo, embora sejam muito bonitos estes bairros que vão surgindo, com janelas sobre janelas, como, outrora, azulejo sobre azulejo, tudo muito clarinho, muito inocente, muito festivo, azul, cor-de-rosa, amarelo, verde, branco. Eu gosto é dos chafarizes, dos lampiões, de certas perspectivas, de certas portas, de certas pedras. E do Tejo. O Tejo com seus barquinhos é uma coisa linda de olhar, seja de um lado, seja do outro, seja do céu, - quando se vêem as ondas desenhadas uma a uma como trança desmanchada de sereia.[...]»

A organização de textos de Cecília Meireles, presente neste interessante trabalho, baseia-se na compilação Crónicas de Viagem 3, reunida por Leodegário A. De Azevedo Filho. As crónicas foram publicadas em diversos jornais brasileiros da época.