29 de abril de 2014

Artur Pastor


Não conhecia este fotógrafo, mas tenho vindo a descobri-lo e a admirá-lo

Documento PT/AMLSB/ART/000150;Arquivo Municipal de Lisboa

Caras

Já agora, na mesma reportagem de 1975, encontrei esta outra imagem...Uma das personalidades será fácil de adivinhar, outra talvez não.

21 de abril de 2014

Lá na minha cama, por favor!


Poesia não se explica. 
Poesia se sente, se vive. 

Mas essa que está ai em cima, do Nicolas Behr, carece de uma mínima orientação para quem não é de Brasília e não compreende como a cidade, cuidadosamente desenhada pelas linhas de Oscar Niemeyer e pelos traçados de Lúcio Costa, se esparrama morena e sestrosa sobre o chão do cerrado. Como uma ave, uma nave, pousada no Planalto Central, com seus eixos, suas asas e seus monumentos. 

Nicolas, investido do seu caráter de poeta/mágico/transformador, pegou endereços conhecidos dos brasilienses, o Eixo Monumental, a L2, a W3, as Superquadras e transformou-os em atributos femininos. Imaginária ou não, Suzana, ganhou linhas de Brasília. Contornos capazes de provocar a libido de qualquer um. Capaz de brincar com o imaginário alheio, fazendo (não se sabe ao certo) da cidade uma mulher ou da mulher uma cidade. Ave, nave, avião em doce e delicado voo. 

Coisa de poeta.
Impossível não enxergar beleza nisso. 
Impossível não invejar, não desejar um pouso desses em minha cama, também.
Viva, o poeta e sua poesia!
Viva, Brasília, em seus 54 anos de cidade (complicada e perfeitinha)! 

(A poesía está transcrita em forma de mosaico, grudado nas paredes da Biblioteca Demonstrativa das quadras 506/507, na W 3 Sul, aqui em Brasília. E me foi carinhosamente lembrada por Renata Sanches, que postou em sua página, no Facebook, agora há pouco. Obrigado, Nicolas. Valeu, Renata!)

18 de abril de 2014

A flor amarela do meu jardim

A preferida de Gabriel Garcia Márquez


Carta para Angélica Castro*

Querida amiga.

Durmo ao sabor do cansaço e de duas taças de vinho. O vinho me rejuvenesce e me salva das agruras cotidianas. Abre as portas do meu mundo mágico e me estende a esteira do sagrado sono, reconciliador da alma.

Acordo. É sexta santa. Mas a dor que permeia o dia vem da tua Colômbia e deságua no mundo. Gabo se foi. Aos 87, Gabriel Garcia Márquez, o mestre da fantasia do mundo latino, o jornalista sagaz e bem falante, transpõe os limites findos do que é real para iniciar a sua maior obra imaginária. Em outro plano astral. 

Não há como não sentir um impacto no peito.

Divido com meu pai, fiel leitor da Garcia Márquez a dor de perdê-lo, como quem se vê afastado em definitivo de um amigo íntimo. Busco na memória as primeiras linhas dele que me chegaram às mãos. Principiei pelo maior de todos, “Cem anos de Solidão”.


Li como um adolescente apaixonado. Aquelas mais de quatrocentas páginas, em que desfilavam as histórias de sete gerações de uma mesma família, os Buendia. Aquilo parecia um filme escrito. Enquanto lia, enxergava a imagem de cada um daqueles personagens, a cidade de Macondo (muitas vezes, tão parecida com a minha São Luis), o cigano, o menino, a mulher, a paixão pela vida, a fantasia, a magia, a descoberta do sexo, a tristeza, a morte, a vida... Tudo ali me parecia íntimo e encantador.

A essência do bom jornalista se plantou inteira em “Crônica de uma morte anunciada”, um dos meus preferidos. Pela abusada descrição do trágico irremediável. Pela objetividade dos fatos. Pela crueza do destino imutável. Pela tragédia anunciada em primeira página, que vai lenta e vigorosamente se confirmando até que  o ato se consuma, na última.  


Gabriel Garcia me deu lições de vida e, acho, continuará dando. Meu pesar, como jornalista, aprendiz de escritor, pretenso poeta, é também o mesmo que deve te tomar agora, como a milhares de colombianos e milhões de admiradores dele, espalhados pelo mundo.

Por isso, acordei pensando em ti e te escrevo, em solidariedade. Mas te escrevo, também,  para que saibas desse amor que tenho pela escrita dele. E o quê isso significa em minha vida. Minha Macondo pessoal está mais triste hoje.

No jardim, as flores amarelas insistirão em brotar, pelo infinito dos tempos. Apesar de hoje. Por Gabo. Por todos nós.

Capa do Caderno Especial do Correio Braziliense, edição de hoje.


Angelica Castro  é uma amiga, especialista em transportes e mobilidade urbana, a quem conheci não faz muito tempo. E que, se não me faço enganado, como milhões de outros leitores e como colombiana, também deve estar sentindo a partida de Gabriel. 

14 de abril de 2014

Short Cuts de Abril

Correspondências I


Caixas de papelão costumam guardar preciosidades. Coisa que o tempo não consegue apagar. No meu caso, devo reconhecer uma predileção por guardar escritos. Minhas caixas de guardar coisas guardam registros de um tempo, sensações de viver, pessoas, imagens, palavras, tudo o que de certa forma compõe a minha essência.

Volta e meia, dou de cara com uma dessas "caixas de memória". Principalmente, nos períodos de mudança. Mudança, aliás, é sinônimo de revirar o passado, perceber o presente e vislumbrar o futuro.



Cá estou, numa dessas tardes de sol e chuva, revirando caixas e me deparando com o que já foi, sem nunca ter deixado de ser. Assim, meio que sem querer, cai em minhas mãos um envelope contendo uma carta de meus avós, enviada desde São Luis, no Maranhão, para o repórter em começo de carreira que eu fui, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

Era o ano de 1985. Minha avó, nascida no último ano do Século XIX, trilhava a metade dos seus 85 anos. Meu avô era 11 anos mais novo. Nesse tempo eles usavam os serviços de "fazedores de cartas", como o papel que a Fernanda Montenegro tão bem desempenhou, no filme Central do Brasil, para transcrever pensamentos e mandar notícias.

Fernanda Montenegro, escrevendo cartas na Central do Brasil.
As cartas de meu avô e de minha avó, invariavelmente, começavam desejando que eu me encontrasse bem de saúde. E informando que eles lá "estavam bem, com a graça de Deus". Também invariavelmente, terminavam desejando que as suas bênçãos recaíssem sobre o meu caminho, para me proteger de todo o mal.

Nesta carta, especificamente, eles agradeciam a minha intenção de buscá-los em uma viagem atravessaria o país, de Norte a Sul. Eu me casaria no Rio Grande do Sul em poucos dias. Reconheciam não ter disposição e nem forças para empreender tamanha jornada, ainda que para evento tão importante na vida do neto primeiro.

Seu Opílio e Dona Antonieta, meus avós.
Eu, aos dez anos, e meus irmãos.
Roupa de domingo e bênçãos protetoras. 
Penso e revivo tudo em minhas mãos, graças à singeleza de um envelope e seu conteúdo. O tempo é uma brincadeira engraçada. Com a mesma velocidade que leva pessoas queridas, as traz de volta. como num asse de mágica.

Correspondências II 

Meus filhos recebem uma carta do avô Viegas. Sim. Meu pai mantém o hábito de usar o serviço dos Correios, apesar da internet. A cada fim de ano, ele me mostra orgulhoso sua lista de mais de 400 correspondentes. Infelizmente, nem a metade responde suas cartas. Mas isso não o faz desistir de escrever a mão, assinar, endereçar, selar e postar centenas de cartas, todos os anos.


Seu Viegas agora pretende envolver os netos nesse rito. E começou por Mariana e Gabriel. Dias destes,  chegou em casa uma carta endereçada "à Cineasta Mariana Franke Viegas". Pompa e circunstância típica de avô carinhoso.

Dentro do envelope, um conto escrito por ele, cujo final exige a participação de uma documentarista - Mariana, sua neta, claro! O documentário é uma espécie de registro de um sarau literário imaginário, feito com a participação dos seus dez netos. Uma viagem carinhosa do avô.

Mariana, Seu avô, Viegas e meu irmão.
Começaram os registros da cineasta. 
Algo que merece ser guardado em uma caixa de memória (a carta) e que exige esforço breve de produção (o documentário). De repente, percebo que a tradição memorial que norteia minha alma transcende os limites do tempo e do espaço. Para se perpetuar no sempre, de outras gerações.  

8 de abril de 2014

Basta-nos um dia de sol


É isto a vida, a sobrar do microcosmos individual. Um dia de sol, momento para pensar como tudo passa: políticas, descontentamentos, a água dos dias escuros a cair, farta, ao longo dos meses. É isto a vida, ecos de pensamentos, de sensações, lembrando que , apesar da injustiça, das agruras do quotidiano, dos sapatos que apertam, de alguma troca de palavras amarga, dos dislates proferidos em espaços (mais ou menos) públicos, da confusão à porta do centro de emprego, da manipulação das estatísticas, o inverno dá lugar ao sol, sem metáforas ou sentidos escusos. Inverno agreste, a fazer germinar as primeiras papoilas que, de manhã, se destacam nas margens do asfalto. É isto a vida, memória teimosa, a vingar, pequenina, e a crescer, a germinar num dia a anunciar o verão . Percorro, de modo displicente, o livro de Hubert Reeves, Um pouco mais de azul. Na abertura, a frase: “este livro é dedicado a todas as pessoas maravilhadas com o mundo”… e salto para a referência à passagem de átomos a moléculas, de estrelas a galáxias, de enxames a superenxames … Num ápice, a ilusão breve de conseguir abarcar a dimensão do universo (tudo passa, tudo permanece, para lá dos nossos sentidos, tudo é poeira de estrelas que cintilam)

Imagem: NASA- a nebulosa de Hélix, a 650 anos-luz da constelação de Aquário.

6 de abril de 2014

A dama turca

Tropeço no livro num tabuleiro de preço fixo e módico. É encadernado lindamente e tem um papel suave. Quando o abro deparo com a dedicatória de Chaby Pinheiro a Lucília Simões e sorrio. Atravessaram o Atlântico numa tounée ao Brasil e eram os dois muito jovens. Terá havido romance? As fotografias da dama turca são deliciosas e o colorido acresce a sensação de livro proibido.

Nota: Morreu Jorge Fallorca que era um leitor e comentador atento deste blogue. A cultura portuguesa está mais pobre. Nós também. Até sempre Jorge.



5 de abril de 2014

A casa é sua

Porque aqui ainda é sexta. Porque está terminando. Porque é do Arnaldo Antunes, mas é também da Maria Bethânia. E sendo assim, é também de todos nós.

4 de abril de 2014

"Um poeta não deve furtar nada do bolso da natureza"*


Dois dias no Encontro Ler +, na qualidade de quem pretende unicamente escutar, saindo de rotinas quotidianas . Fala-se de Humanidades e Ciências, da importância da ciência escrita, do imperativo da sua clareza, a fim de poder ser entendida por um público mais alargado desenvolvendo-se, deste modo, a literacia científica. Um responsável por uma editora nacional, pioneira em publicar, na nossa língua, livros deste cariz para um público alargado, pede braços no ar, perguntando aos presentes se leram Cosmos de Carl Sagan. Lembro-me de ver o livro passar, lá em casa, pela mão de alguns, não recordo se o li, mas sem gravador de vídeo, não perdi a emissão de um único episódio da série que, no século vinte, passava na RTP (alguém comenta que a série Cosmos passa, de novo, num canal televisivo). Falhando-me a memória, não levanto o braço. O mesmo sucede a cerca de dois terços da assistência. A propósito de ciência, recordo ainda os documentários de Jacques Cousteau , o fascinante mundo submarino que teve o mérito de desvendar ante os nossos olhos deslumbrados. Recuando no tempo, evoco de forma nebulosa as conversas acessíveis do cientista António Manuel Baptista, homenageado por ter completado, há pouco, 90 anos. Fico a pensar se a questão associada à pouca leitura de Cosmos será determinante para retirarmos conclusões. O editor afirma que, nos anos 70- 80, a lista dos mais vendidos incluía autores como Carl Sagan, James Gleick, James D. Watson, cruzando esses dados com os dos títulos hoje mais populares nas livrarias (ao ser a questão deste modo abordada, surge uma imediata apreensão). Apresenta ainda um impressionante número de reedições das obras, num passado recente, quando eram muito procuradas. Interrogo-me, sem resposta, se será a afirmação determinante para retirarmos conclusões, embora algumas teimem em surgir  em primeira instância , ainda isentas de ponderação. Um dos oradores refere-se à televisão pública – algo por tantos de nós repetido em conversas informais, entre amigos – ao facto de se encontrar arredada do papel formativo, abstendo-se, por isso mesmo, de espicaçar a curiosidade, fazendo mais sentido haver apontamentos breves e pedagógicos, destinados aos mais novos, no horário em que, em nossas casas, se prepara o jantar e as tarefas escolares já estão concluídas até ao dia seguinte, ao invés de serem passados concursos (lúdicos?) de formato internacional e que pouco acrescentam à formação de quem se senta em frente ao ecrã.


Penso, em tom de conclusão, no processo de simbiose presente nos textos poéticos de António Gedeão/Rómulo de Carvalho e, nem a propósito, a concluir a homenagem ao nosso cientista de 90 anos, uma familiar sua termina a cerimónia com a leitura de uns versos de Samuel Coleridge, tão ao gosto do homenageado
*«um poeta não deve furtar nada do bolso da natureza».

(e como não tenho cá em casa o tal livro talvez por ler, vou regressar a Hubert Reeves e fica Sagan como número dois na lista de intenções de leitura)

2 de abril de 2014

A criada de fora




1 de abril de 2014

Abril!



É outono.
Mas no quintal de minha casa,
os pássaros e as plantas ignoram as divisões do ano.
E parecem querer esticar uma primavera distante.
Doce, colorida e sonora rebeldia de abril.




Acordo com a algazarra dos pássaros.
Me dizem que já é hora.
O sol entrou sala a dentro.
Inundou de cor a casa e afastou as nuvens de chuva.
Pelo menos, temporariamente.



Lá fora, flores se anunciam e se oferecem inteiras.
A de ibisco, a de maracujá, flores e mais flores.




A abelha se delicia
A borboleta vagueia
sem saber onde parar.
Os pássaros se esbaldam
em cantorias ligeiras


O conjunto é uma sinfonia natural.
Capaz de mostrar que o simples
segue dando o tom:
O bom da vida vai prosseguir.