19 de outubro de 2013

Manuel António Pina : «Chamo-lhes crónicas porque não sei o nome disto»


Desde o início do verão a saborear Crónica, Saudade da Literatura, textos de imprensa do presente século, da autoria de Manuel António Pina, editados há 5 meses pela Assírio e Alvim. Saborear será, decerto, o verbo acertado para os pedaços de prosa legados pelo poeta-cronista , consciente opção no intuito de o sentir mais presente em cada dia que, com maior ou menor vagar, se sucede. Palavras que surpreendem pela atualidade lúcida: um sentido de humor único, mesmo na abordagem a temas muito sérios (humor, sobretudo em tempos mais árduos, equivale a inteligência). Atrai a leveza da escrita. Do conjunto de textos, destaca-se a ênfase dada aos tempos de crise, a denúncia da (in)cultura de muitas figuras com responsabilidades nacionais, as considerações sobre o cinema com maiúscula (arte e não mero fogo de artifício), as ideias sobre a beleza (ou sua ausência), sobre o sentimento de felicidade, passando ainda pela música, pela BD, por poetas próximos ou mais distantes, o apontar do dedo a preconceitos, a denúncia a ideias feitas, a formatar uma realidade chata. Pina situa-se nos antípodas do chavão, do lugar-comum. Fica a gratidão por quem nos torna mais interessante a existência.
A preparar uma recensão sobre este conjunto de crónicas, ficam algumas linhas soltas quando, por coincidência, se completa um ano da sua morte.

«Tintin e os outros […] chegaram à minha vida na infância como o Cavaleiro Andante e, como na canção de Maria Bethânia, instalaram-se para sempre feitos posseiros dentro do meu coração. Com eles fui à Lua e viajei  por todos os mares do mundo, subi aos Himalaias e desci aos negros porões da alma humana […] defendi os fracos e enfrentei opressores e ricaços sem escrúpulos […] convivi com guerrilheiros, com tiranos, com comerciantes, com sábios, com iluminados… Se algo de essencial aprendi […] das minhas aventuras com Tintin foi o desprezo da infâmia e a “linha clara” da coragem e da justiça.» - Manuel António Pina, JN, 24/5/2007

2 comentários:

Graça Sampaio disse...

Também ando a ler. O que eu gostava das suas crónicas no JN e no DN! A sua poesia, porém, deixa-me um bom bocado aquém... Muito complexa.

teresa disse...

Revistar o escritor torna-se sempre um prazer :)