29 de junho de 2010

Idolatria - Surda e Amorfa

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”Ambos ídolos, ambos ferozmente egoístas, nidificando (casando ou acasalando) duas, três vezes, quantas lhes apraz, pautando em suma a ética privada pela estética própria, diferenciam-se contudo numa humanidade bem oposta.
Picasso encarna Arlequim como uma das várias máscaras do seu guarda-roupa existencial; Chaplin encarna Charlot de uma vez para sempre e sempre mesmo, embora se module.

A função exponencial do homem de génio…não se converte na natureza idolátrica por um movimento consciente das multidões do seu tempo. As massas são apenas passíveis de tropismos, e alçar um ídolo aos ombros é puro fenómeno de agitação, seja qual for o grau de vigilância que caiba a muitas das cabeças da Hidra. Quer dizer: dentro da multidão que aplaude ou apupa podem destacar-se unidades que sabem o que estão fazendo; mas o movimento, o fenómeno global da idolatria é surdo a razões e amorfo”.

Vitorino Nemésio, 1971.

1 comentário:

teresa maremar disse...

Magnífico excerto de Nemésio, o conversador, entre a seriedade científica e o ludismo e poética.
Nemésio - como ele próprio se definia - era, num mesmo tempo, o mocho e o rouxinol. Não é o rouxinol, pássaro solitário de alegre canto?
Como podia ele, que também disse serem os personagens de ficção a resposta literária ao seres reais, não apreciar o lúdico, a máscara, o faz-de-conta, pois que a vida é feita de verdade e ficção, razão e sonho pueril.
Criativos, geniais, versáteis e de múltiplas habilidades, Nemésio, Chaplin, Picasso, cada qual a seu jeito e nos seus domínios, vestiram as artes de coloridos retalhos de Arlequim.

Homens e deuses vivem no mesmo prédio e por vezes encontram-se na escada, Jean Cocteau
:)