30 de agosto de 2009

E HOJE É DOMINGO

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“Na Morte de Manuela Porto”

Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos os
amigos mais íntimos com um cartão de convite para o
ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje às 9
horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir
à despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio. "Adeus!
Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento, numa
lassidão de arrancar raízes... (primeiro, os olhos...
em seguida, os lábios... depois os cabelos... ) a carne,
em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se em
fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen... como
aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...

José Gomes Ferreira em "Poesia III"

1 comentário:

César Ramos disse...

Provavelmente é assim que se morre!
Mas complicamos tudo... e não costumamos ter uma assembleia à volta... excepto se em coma, ou catalepsia.