27 de abril de 2009

COISAS DO SÒTÃO


Capa de um livrinho com o título “Eu Canto Para Que Os Desertos Fiquem à Sombra”, uma das muitas publicações que serviram de apoio à luta contra a ditadura. Trata-se de uma olectânea de poemas e canções passados a “stencil”.
No interior há uma folha solta onde se pode ler:
“Contudo todos dizem que esta colectânea tem interesse. Todos concordam que ela fazia falta. Apesar das inúmeras deficiências, dos muitos erros, ideias com que não se concorda, estamos convencidos de que o caderno tem mesmo interesse e mais teria se fosse refundido. Porque não fazemos pois nesta segunda edição?
Primeiramente por falta de tempo. Depois porque o sector principal a que o caderno se dirigia, os operários, o aceitou e percebeu bem. Verificámos por uma breve sondagem que foi mais bem aceite pelos sem-cultura que pelos intelectuais, se isso for geral conseguimos o nosso objectivo. O responsável pelos livros junto dos operários disse-nos que os cadernos se destinavam principalmente aos operários e afinal para os intelectuais foi a maior parte.”
Entre outros, há poemas e canções de Daniel Filipe, Manuel Alegre, José Saramago, José Afonso, Manuel Freire, Adriano Correia de Oliveira, Luís Cilia.
Na contra capa pode ler-se: “Erguei-vos, levantai a cabeça porque a vossa libertação está próxima” – Lucas 21-28.

“Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
Gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo, mas irmão
Capital da alegria

Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu a ti o deves
lança o teu desafio

Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso, a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa
Será que existe
lá para os lados do oriente
Este rio, este rumo, esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?”

Esta canção de José Afonso não faz parte da antologia, mas desculpem-lhe o facto de ele não ter resistido à tentação de a reproduzir. Uma das mais felizes e bonitas canções de José Afonso. E elas são tantas!...

5 comentários:

teresa disse...

É lindo o poema postado. Infelizmente não me lembro da canção.

Unknown disse...

"Gente igual por dentro
Gente igual por fora"

"Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso, a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa"

Que lindo e cada vez mais raro isto é!
Maravilhoso!

gin-tonic disse...

A canção chama-se "Utopia" e faz parte do álbum "Como se Fora seu Filho" de 1993.
Não é de modo algum cliente do "You TUbe" mas é provável que encontre por lá uma versão de "Utopia" cantada pelo sobrinho do Zeca, o João Afonso

teresa disse...

Obrigada gin,
Vou "youtubar":)
Acontece que muitos dos clássicos do Zeca não aparecem por lá, é que há dias tentei uma procura aos de preferência pessoal e alguns, só interpretados por ilustres desconhecidos, em alguns casos em versões pouco apelativas (não me refiro ao sobrinho do cantor, é claro).

Julio Amorim disse...

Este foi o livrinho que mais marcou a minha adolescência! Infelizmente, perdeu-se....e já não via esta capa desde Dezembro de 1973. Há tempos que ando à caça disto na net...mas nix! É como rever um velho amigo....