26 de março de 2006

Os vagares de março

A canção do Tom Jobim fala das águas de março fechando o verão. Bem, a letra toda eu a acho bem misteriosa - e quem diabos é o Matita Pereira? Mas a música é bonita, com Elis Regina fica melhor ainda (ela ri enquanto canta; dizem que tinha um temperamento artístico, leia-se infernal, essa moça, mas cantava, ah, cantava; e gostava de homem, raridade entre as modernas cantantes brazucas), e, mesmo com letra engimática, vale a escutada.

Mas estou me perdendo. O verão e as águas, era disso que eu queria falar. Bem, este verão aqui no quadrante sul esteve forte, esteve rijo - de calor e de águas. Acabou oficialmente às três e meia da tarde do dia vinte, mas esqueceu-se de ir embora: continua aqui, quentando e aguando o cocoruto da gente, sem dó nem piedade. De quinta para cá, choveu todos os dias - chuvas fortes, águas de março a toda prova. E todos os dias a temperatura esteve acima dos 35 Celsius.

A gente fica preguiçoso. Eu fico. Arrasto-me até ao trabalho; vou às aulas maldizendo tudo; em casa, fumego sobre os lençóis até adormecer e acordar encharcado, como se tivesse tomado chuva. Toca o telefone e eu o olho, desesperançado; atendo quase ao último soar. Falam comigo, e primeiro as palavras têm de atravessar as nuvenzinhas de vapor que emito, antes que me alcancem; e depois, para que eu as entenda, têm de esperar um tanto mais. Sento-me à frente do computador, e tenho de atravessar, antes de começar a trabalhar, quinze segundos de perplexidade: quem sou eu?, que faço aqui?, que máquina é essa? Serenado o coração, começo. De má vontade.

Pode ser esse o segredo do fracasso tropical. Da tristeza tropical: Claude Lévi-Strauss foi um dos primeiros professores da Universidade de São Paulo. Não suportou o calor, fugiu, e escreveu um livro falando mal dele. Mas também pode ser que eu esteja ficando velho, e meus genes comecem a implorar pelo que ainda guardam: os frios do lago de Como, o fedor de Veneza, o vento do vale do Pó. Chi lo sà?

Enfim, hoje arrefeceu. Já me sinto mais senhor de mim; já me animam algumas vontades. Vim, portanto, a toda brida - que não é muita ainda - dizer à Teresinha que não, que não vos abandonei; abandonei-me, como vistes, foi a mim mesmo. Culpa da canícula, da cachorrinha. Mas o outono dará de vez o ar de sua graça - São Paulo é mui tolerável no outono, conquanto pare de chover - e eu, refrigerado, seguirei aparecendo.

E lendo o Fradique Mendes. Que livro excelente.

Beijos & abraços aos respectivos recipientes.

Sem comentários: