14 de janeiro de 2005

O Corredor.

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Pintado a partir de uma história de infância minha.
Não por mim, é claro.
Obrigada AP.
O texto segue de seguida , para não acusarem de kafkiano o dito pintor.

Era tão pequena que cabia debaixo da mesa à vontade, era uma sala de jantar de móveis pesados e sólidos escavacados, de muitos pézinhos de crianças e de adultos se apoiarem.
Era quadrada, como se querem as mesas.
Aí eu sentia-me a abrigo Levava alguns pertences. Uns bonecos puídos, de papel e de borracha. Depois mais tarde os livros. Mas quando comecei com necessidade daquele aconchego, acho que nem sabia o que eram letras.
Lembro-me que foi aí que pensei pela primeira vez em termos abstracto, .que eu era eu e diferente dos outros . Que eu existia. Que eu pensava. Lembro-me que fiquei surpreendida.
Nunca antes tinha analisado o que era estar a viver.
Acho que nesse dia fiz muitas perguntas sobre tudo à minha irmã. Menos sobre o que me interessava verdadeiramente, perceber porque eu era diferente e sozinha.
Porque quando comecei a perceber que era eu, começou o sentimento de perca…
Estranho não?
Acho que foi nessa altura, que deixei de dormir no quarto dos meus pais e passei para o da minha avó .
Era uma casa com muita gente.
Do quarto dos meus pais, lembro-me exactamente de sair da cama de grades, trepar por um braço estendido, a ele agarrar-me, subir e adormecer pacificamente. A minha mãe contava que eu parecia um gatinho. Quantas vezes me tirava, quantas vezes eu voltava, sempre de mansinho.
Lembro-me do cheiro da cama, do sabor e do calor .
Ainda hoje para dormir bem , tenho que sentir alguém da minha beira, uma respiração e um braço, para a ele me agarrar ou tocar simplesmente.
No quarto da minha avó, espalhava os brinquedos todos pela cama. Ficavam a contar-me histórias.
E fugia pelo corredor comprido e ficava à porta da sala se me deitavam demasiado cedo .Eu era muito silenciosa. Encontravam-me a dormir no chão, meia com pesadelos das histórias do Homem Invisível da TV, ou outras séries cujas vozes me assustavam.
Mas eu queria estar com os outros todos na sala. Até as cadelinhas lá estavam. E a casa era grande e escura.
As tábuas do soalho rangiam e eu lembro-me sobretudo do chão. Frio e liso, de madeira encerada.
Mais nada.
T


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