22 de janeiro de 2005

'eu sei o que é o sorriso de uma criança', disse o doutor francisco

'não me fale da vida, não tem direito a falar da vida', disse o doutor francisco.

'quem é o senhor para me dar ou não o direito de falar?', repondeu o doutor paulo

'o senhor não sabe o que é gerar uma vida. eu tenho uma filha. sei o que é o sorriso de uma criança', continuou o doutor francisco.

ainda não consegui fechar a boca de espanto perante tais pérolas de cultura política.

achar que alguém só se pode pronunciar sobre alguma coisa que já fez é o argumento de quem não tem argumentos.
é o argumento dos maus actores sobre os seus críticos;
dos maus plíticos sobre os seus opositores, dos maus escritores, dos maus profissionais.
das más pessoas enquanto pessoas.

todos nós já lemos críticas absurdas.
lembro uma, de um magnífico crítico musical português, que achava o segundo disco da tracy chapman péssimo porque ela falava dos pobres e desfavorecidos e até de amores perdidos e ela tinha um curso universitário e vivia dos rendimentos de cantora e nunca tinha morrido de amores e, por isso, não podia falar do que não vivia.
e o editor do jornal em causa achou por bem publicar tal crítica.

achar que alguém só se pode pronunciar sobre a interrupção voluntária da gravidez apos ter produzido um filho, faria retirar de cena a esmagora maioria da base de apoio eleitoral do bloco que o senhor doutor francisco dirige.
é como eu ficar impedido de dizer que o polga e beto deviam ser chicoteados pela forma como jogaram contra o nacional, porque eu não sei jogar melhor que eles.

mas se na músicaa e no futebol, ainda podemos (e devemos, a bem da sanidade mental!!) discutir ao estilo do western sparguetti, na política a coisa pia mais fina.
não há por-do-sol romântico com música de violinos e harmónica a acompanhar os finais de retirada gloriosa.

por uma razão estranha mas altamente louvável, nunca, mas nunca (com umas pequeníssimas excepções) se trouxe para a praça pública a vida privada dos nossos políticos (e artistas, de um modo geral).
se alguém gosta de homens ou mulheres, de meninos ou meninas (desde que tenham mais de 18 anos..) é coisa que, felizmente, nunca nos interessou.
se são casados ou viuvos ou solteiros ou juntos, é da vida de cada um.
mesmo que pela net passem alguns mails de gosto duvidoso, tal nunca chegou aos jornais e às televisões.
felizmente.

esta proclamação da superioridade moral das famílias 'tradicionais' sobre outras formas de vivência é do mais puro reaccionarismo que há memória em portugal.
nem o patriarca de lisboa já diz isto em público. felizmente.

e, se podíamos achar que isto foi um momento infeliz do doutor francisco, ficamos logo a saber que a quase generalidade dos mebros do seu bloco o vem defender e achar que ele até tem globalmente razão no que disse (o que entre outras coisas mostra que este bloco funciona como um bloco identicamente igual ao restante bloco partidário em que, por mais absurda que seja a afirmação do seu líder, ninguém tem tomates para discordar dela).

de acordo com o doutor francisco ficamos a saber que só se podem pronunciar sobre a interrupção voluntária da gravidez aqueles que já estiveram perante a decisão de a fazer ou não.
provavelmente, sobre a guerra, só os militares e as populações que sofrem com os bombardeamentos. e talvez as bombas que não tenham rebentado e ainda estejam en condições de falar.
sobre a pesca, os pescadores e os peixes.
sobre as touradas, ou toureiros e os touros.

esta pérola da nossa cultura política poderia ser pronunciada pelo papa, pelo general pinochet, por salazar, por franco...
e, pelos vistos, pôde ser pronunciada pelo doutor francisco.

esta frase faz corar de vergonha quem a tenha.
eu tenho.


não sei se ainda tenho forças para vos continuar a desejar um bom fim de semana.
mas espero que sim, que o tenham.
o sol está óptimo. não ha vento. um café junto à praia depois de almoço talvez nos faça bem.
e esquecer o doutor francisco.

sejam felizes, não obstante

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