22 de setembro de 2004

de que matéria são feitas as lendas?

de que matéria são feitas as lendas?

o que leva um acontecimento banal ou uma reacção ao desconhecido transformar-se numa lenda?
existe um tempo para isso?

As lendas nascem da passagem de uma historia (real ou inventada, seja porque motivo for...) pela imaginação de muitas pessoas.
Cada uma acrescentando um pouco.
Cada uma apurando, depurando, desenvolvendo, aumentando, diminuindo (‘quem conta um conto, acrescenta um ponto’).

Que, de diferente, têm as lendas do ‘penedo que dou linho’ do ‘madeiro de monsanto’, ou os ‘famosos’ contos de fajão, de outras criadas em torno de personagens universitárias, como aquele professor de aveiro que mandou desenvolver o tema sobre a natureza endo ou exo térmica do inferno e a consequente resposta de um aluno que terá tido 20 e que circulou por toda a net... com cada reenvio a tentar apurar a linguagem (reconheço que fui um deles...).
ou personagens mais famosas como o músico syd barrett (um dos fundadores dos pink floyd) que um dia desapareceu sem deixar rasto, e que teve livros e artigos e histórias e avistamentos como monge no tibete, eremita em marrocos e outras coisas mais ou menos semelhantes.... e que afinal tinha estado vários anos em casa da mãe nos arredores de londres...
ou as experiências sensoriais que muita gente afirma experimentar no cemitério de pére lachaise em frente á campa do jim morrison... ou á do alan kardec um pouco mais ao lado...
ou a lenda da audição do bono vox como cantor dos u2 (era tão mau, mas com tamanha auto estima que os outros não tiveram coragem de lhe dizer que ele não sabia cantar ... e afinal aquilo transformou-se num estilo...).
ou célebre capitão roby, que apenas era um vigarista que afagava as mágoas de senhoras com necessidades afectivas e insuficiências de auto-estima, a troca de algumas compensações monetárias... digamos que até poderia ser considerado uma espécie de psiquiatra comportamental (na escola burrus skinner..), que tinha do ‘divã’ uma concepção um pouco mais abrangente que o freud....

Seguramente, algumas das histórias que hoje conhecemos como apenas pitorescas, caricatas ou mais ou menos estranhas, se transformarão em lendas e serão no futuro bem diferentes do que as conhecemos hoje...

A estadia de mouros na beira baixa, como noutras zonas do país, provocou um manancial de lendas inesgotável.
O facto de ser o último povo ‘invasor’ da península, quando a cultura e as tradições de todos os outros, celtas, visigodos, iberos, lusitanos já estavam misturadas e assimiladas umas pelas outras, tornou-os uma ‘espécie exótica’ cujas tradições e práticas eram um misto de mistério, temor e estranheza...

Seguramente por isso, uma boa parte das lendas do nosso país refiram os mouros, as senhoras misteriosas de tez morena, os seus costumes estranhos, os deuses diferentes, e os coloquem nos locais mais ermos, nas grutas, nas serras, nos cabeços.... onde provavelmente nunca estiveram sequer

Do mesmo modo que as turistas nórdicas provocam agora algumas histórias mais ou menos imaginativas na nossa juventude masculina a banhos no algarve.... aquela beleza e mistério árabe provocou nos nossos antepassados uma inesgotável fonte de histórias, cheias de tesouros fantásticos, encantamentos, belezas deslumbrantes, pais com um sentido de justiça muito discutível e uns jovens (masculinos a maior parte das vezes) a sofrer pelo amor impossível da dama presa pelo pai tirano (mas rico quase sempre..)

Outras histórias nascem dos senhores das terras, uns muito bons, outros muito maus, que uma vez autorizaram, outras reprimiram, uma festa, uma celebração... e esse acontecimento foi-se desenvolvendo e alterando com o tempo... em cada terra contado de modo diferente. Por cada pessoa de seu modo.

O que parece ser a base da lenda (isto é... a matéria prima que permite a passagem de uma simples história, inventada ou não, a lenda com o passar do tempo) é a sua natureza mais ou menos inatingível... quer pela natureza mística ou religiosa, quer pela beleza ou mistério da pessoa envolvida, quer pelo poder do interveniente...
São as que nascem do pobre que encontra o rei e ele lhe diz qualquer coisa (sendo óbvio que o facto de um senhor falar uma vez com um servo se tornava rapidamente em conversa de toda a gente.... transformando isso num diálogo que, provavelmente, já terá muito pouco a ver com o original... (a lenda da origem do nome de queluz, por exemplo – este exemplo é só porque sou de lá... – e que refere um pobre habitante de um casabre que terá dito ao rei ‘quero luz’, contrasta claramente com a muito mais provável origem árabe do nome, resultante do aportuguesamento das palavras ‘vale das laranjeiras’ que ao que parece lá existiram, no vale do rio jamor onde mais tarde se construiu o actual palácio nacional).

São as que nascem de um jovem que vê a formosa filha do poderoso senhor a passear no campo, á janela, ou a passar, e inventa uma história com base no seu desejo de estar com ela ou a ter...
São os acidentes geológicos que aguçam a imaginação dos pastores ou agricultores que, pelo receio do desconhecido (etéreo ou terrestre...) imaginam animais monstruosos, fantasmas de defuntos ou outros temores parecidos...
São também os resultantes do temor da morte, do inferno, do castigo divino...

De que matéria são feitas as lendas?

Da passagem do tempo e de muitas recontagens sobre um acontecimento real ou imaginário, mas seguramente de uma sensação sentida por alguém alguma vez.

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