2 de março de 2004

Lost in Translation

Eu tinha decidido que não ia falar de coisas infantis e desinteressantes: tinha acabado de me persuadir de que não ia puxar nem o assunto do cinema, por exemplo dos Oscars, nem um qualquer assunto de política, não ia falar no novo cd de ninguém e muito menos no facto de que os Tribalistas ainda estão no top ou de que o primeiro disco de Norah Jones reentrou nele. Também não ia falar do livro que ando a ler. E com esta determinação íntima pensei que as outras (colegas de trabalho com "a") não iam puxar de assuntos impróprios para a minha maturidade, pensei que houvesse um qualquer acordo tácito de não enfadonhamento mútuo.

Pois não é que mal acabo de pensar isto uma delas começa a dizer que a outra que ainda não tinha chegado com o tabuleiro tinha ficado a discutir porque não se podia substituir batatas fritas por arroz? E não é que a referida outra chega a reclamar que é injusto e coisas piores já não se poder substituir batatas por arroz? Mas se fosse só isto...

O pior é que a seguir ao arroz veio a conversa desnecessária sobre aqui nem se come mal de todo mas lá em cima às vezes é melhor mas aqui em baixo às vezes também é melhor só que lá em cima... e é claro que abruptamente a conversa mudou para uma inutilidade qualquer como nascer um dente a uma filha de que se fala sistematicamente por tudo e por nada e que aparece abruptamente por tudo e por nada.

Mas tudo isto seria bom se acontecesse uma vez por outra. Só que não acontece uma vez por outra. Acontece sistematicamente todos os dias da semana de trabalho ao longo de todas as semanas de trabalho ao longo do eterno. E acontece fora do trabalho quando aquelas pessoas que só sabem falar de coisas normais e adultas se encontram.

Mas mesmo tudo isto acontecendo sistematicamente sempre e em toda a parte ainda assim não seria mal nenhum se isto fosse a excepção das gentes. O pior e inelutável pior é que isto é que é a normalidade.

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