20 de dezembro de 2003

Estórias da minha infância (8) – A Velha do Pisão

Era corpulenta e atarracada, tinha feições carregadas e rudes. Tinha uma idade indefinida, o que era acentuado por um pele grossa, tisnada e gretada. Também tinha um ar quase masculino, que lhe era acentuado por um exuberante buço.
Andava sempre vestida de preto, como que de um luto carregado. A roupa até aprecia sempre a mesma: camisa e blusa de melha, lenço apertado na cabeça e, ao contrário do que seria esperado para a época, sempre de calças.
Parava quase sempre nos bancos de pedra que existiam debaixo da plátano do Rossio. Especialmente às quartas e sábados, que eram os dias de mercado, quando a zona se enchia com uma enorme multidão vinda das redondezas da cidade. Sentada, fumava cigarros e cuspia para o chão, e olhava todos que pasavam com um ar de desafio.
A intervalos regulares ia à tasca do Sr. João, por onde nós paravamos ainda antes se ser o Mané Jóia. Pedia um traçado de tinto, cheio até ao cagulo, e bebia tudo de um trago. Nessas vindas era quase sempre acompanhada por um velhote de ar ufano, sorridente, que lhe pagava o traçadinho com orgulho. Depois, quase de baço dado, lá iam rápido para um qualquer lupanar de prazer.
E, durante muito tempo, quando algum de nós se gabava de uma aventura qualquer com alguma miúda (inventada ou não), ouvia logo um: Tu??… tu foste, foi à velha do Pisão!

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