12 de outubro de 2003

Estórias da minha infância (4) – O homem do leite

Eu sou do tempo em que não havia leite em pacote, asséptico, meio-gordo ou meio-magro. Sou do tempo em que havia o homem do leite.
O homem do leite aparecia todos os dias, pela manhã, com um burro carregado com duas bilhas de zinco, parava à porta do meu prédio e soltava aquele berro que, ainda hoje, ouço cá no fundo: É o Leeeeeeeeiiiiiiiiiiiiteee… Passado um bocadinho repetia ainda mais prolongado, não fosse alguém mouco morar por ali: É o Leeeeeeeeiiiiiiiiiiiiteee.
E lá iam as vizinhas, as “criadas” e sopeiras, com as vazilhas buscar o leite. Pedia-se litro e meio, três quartos, conforme o que se necessitava. O homem do leite tinha medida para tudo.
Chegado a casa fervia-se o leite, não fosse o caso de não estar bom… fervia-se longamente, e ia-se formando uma nata, espessa e gordurosa, que eu detestava e me provocava vómitos incoercíveis.
Os tempos passaram, os hábitos mudaram, as coisas evoluiram… apareceu o “leite do dia”, em pacotes moles, onde se sentia e ouvia o fresco chocalhar. Já dava para 24 horas. O homem do leite ainda evoluiu também e passou a vir de mota, com um atrelado quadrado tipo caixa-frigorífica, onde trazia os tais pacotes a que as pessoas ainda franziam o nariz. E deixou de berrar o famoso berro, passou a tocar uma irritante buzina!
Os tempos aceleraram e, rapidamente, apareceram uns pacotes novos, de cartão, com leite pasteurizado, que parecia uma coisa perigosa e pouco saudável. Lembro-me de uns pacotes piramidais da Serraleite (uma coisa única) que só se levavam para férias ou se guardavam como último recurso... e fervia-se o leite, não fosse o diabo tecê-las!
Mas este leite vingou mesmo, como sabem, e o homem do leite desparaceu aos poucos.
Dizem que morreu na miséria, a chorar lágrimas de leite e a gritar: É o Leeeeeeeeiiiiiiiiiiiiteee.

PP:
Ontem, de repente, choveu e trovejou muito. Assustei-me! Hoje é a bonança depois da tempestade.
Desculpem as minhas mariquices de fumador.
Por aqui habita o pessoal dos gatos. Eu tenho um cão, o Loky, que é pequeno mas muito porcalhão. Mija e caga em todo lado que pode e lhe apetece.
Li o último post do Pipi: não é que me continua a surpreender! Fez um texto sem a’s
Já agora, uma pergunta: qual o étimo de cinepimastia? Se virem a bombainteligente, perguntem-lhe…




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